Mundo e Vida

A MINHA LISBOA
A MINHA DÉCADA DE SESSENTA


Nunca fui muito de falar de mim, erradamente talvez, porém quando já são passados os trinta anos de idade ( X 2 +), quando se olha o passado com a alegria de viver intacta, pode ter chegado altura de abrir as mãos e ver algo que se considera um pequeno contributo, para o grande todo que é esta sociedade, pode ser altura olhar um pouco das nossas vidas, o que sempre se consideram pequenos êxitos.
Partindo desse pressuposto rememoro a Lisboa de sessenta, década que considero a grande época da minha vida. Tudo me haveria de correr de feição e agradava-me o muito trabalho.
Foi nessa década que, finalmente, passaria a morar na grande capital. Trabalhando ingressei no curso liceal.


Lisboa: Restauradores e Avenida da Liberdade

Ao mesmo tempo fiz um curso de dactilografia, depois um de estenografia, antes de os gravadores o terem ultrapassado, ainda frequentava um curso de Inglês na Berlitz Scool do Conde Redondo, sempre locomovido a pé. Mesmo assim num só ano fiz primeiro e segundo anos liceais, com dispensa de provas orais.
A estenografia era ministrada em sessões individuais. A determinada altura passei a ser exemplo, pelo menos para uma outra aluna, pelo mesmo custo, usufruía o dobro das aulas, com o natural proveito.
Munido dos diplomas obtive o lugar de empregado de escritório, um sonho que perseguia. Sai ás quatro da manhã do trabalho de bar e às nove do mesmo dia estava à espera da abertura do escritório para entrar. Havia sido o primeiro a chegar.
Vim morar na Rua da Bela Vista à Graça, mesmo junto ao seu começo, na Rua do Vale de Santo António. Diariamente percorria todos os trajectos a pé.
Primeiro ia até à Rua das Portas de Santo Antão, ainda no mesmo patrão, passei a ter de subir mais a Avenida da Liberdade, até à zona do Parque Mayer, junto ao primitivo Café Lisboa de muita tradição.
A transição deu-se para o fim da Travessa das Mercês, no princípio, junto à Rua do Século. Ali cheguei a chefiar o escritório, do que não me senti honrado, monetariamente nada veio a resultar.

Igreja da Graça, vendo-se uma panorâmica do Tejo

Muitas vezes chegava ao largo da Graça ideando fazer o trajecto no eléctrico 28, ainda hoje em funcionamento, mais turístico, encontrava sempre fila (ao tempo dizia-se bicha) para o apanhar. Tinha palmilhado já cerca de quilómetro e meio, acabava por achar mais simples, fazer o resto do caminho a pé.
Um dia fiz férias em Maio, para responder e colocar anúncio para novo trabalho. Estas tinham acabado, já tinha entrado ao trabalho, quando chegou uma convocatória que pareceu interessante.
Era do Dafundo, de uma grande empresa gráfica ali me desloquei, apresentei-me a quem fazia a selecção do pessoal.
Fui apresentado ao administrador, Dr. Manuel Metelo, que veio a ser Presidente da Associação dos Proprietários Lisbonenses.
Depois ser acedido examinar-me, no Domingo seguinte, evitando o meu tempo útil de trabalho, condição que impusera.
No dia aprazado, estava eu a fazer testes, findos os quais veio imediatamente a aprovação, com os seguintes comentários:
Afinal o senhor na sua carta de candidato foi muito lacónico!
- Aqui houve a possibilidade de aquilatar o valor dos meus serviços!
- Respondi.
- O senhor é modesto, pediu apenas três mil e quinhentos escudos de ordenado (era bastante), quando os seus novos colegas ganham seis mil!...
Vamos atribuir-lhe, por agora, quatro mil!
- A situação durará apenas alguns meses, depois entrará no sistema remuneratório normal, para a função.
Passados três meses passei ao escalão dos seis mil. Para a época era um grande ordenado, tanto mais que na altura um funcionário público, por exemplo, da classe de trabalho de carteira, auferia mil e oitocentos escudos.
Entretanto também começava a ser agente de seguros de vida, não seria dos piores elementos da equipa, a avaliar pelas comissões que levantava.
Nos anos sessenta casei e fui pai de uma menina, um gosto!
Por tudo isto, os meus anos sessenta terão de ser eleitos, como o período de ouro, únicos de uma existência viva.
Deram-se muitos acontecimentos importantes em Portugal e no mundo. Destacaria a ida à lua por americanos.
A minha Lisboa, se comparada com a globalidade actual, era uma aldeia muito grande. Conheci-a, talvez como ninguém, mesmo os que tinham o privilégio de a terem como berço,
As redondezas e o Parque Mayer fervilhavam de gente, sobretudo à noite. Visitar as salas de teatro do Parque, para assistir à exibição de uma qualquer Revista à Portuguesa, era como um louvor aos deuses.
Vinham excursões de outras terras para ver quadros das piadas em exibição, contundentes, mas sempre na presença de censores e polícias à paisana.
Os estabelecimentos nocturnos internos e os externos das imediações, a partir da dez da noite enchiam-se de clientela artistas, cenógrafos, autores, polícias, carpinteiros de teatro, "habitués" e outros.
Era um gosto assistir por fora a este espectáculo alucinante extra.
Se escolhera viver em Lisboa, a observação vivencial deste ambiente lúdico, para mim, era o culminar do arreigado desejo de morar na cidade.
Depois havia o inefável Chiado, subido a pé.
Lisboa afinal era o máximo!... Já tinha passado a canção, não me lembro quem a cantava. Rezava assim: "No Chiado/à tardinha as meninas vão/em procura de marido", Etc.
Despontava a elegância da Avenida de Roma e sobretudo na Rua Guerra Junqueiro.
Era esta a Lisboa que eu amo, pois até comecei a morar em casarão, com janela a avistar o magnífico Tejo.
Hoje está diferente, nem a conhecerei tão bem, mas para mim, Lisboa será sempre Lisboa. Avistá-la muitas vezes da ponte sobre o Tejo, a 25 de Abril é um sonho. Um espectáculo de inolvidável beleza.


Daniel Costa

Comentários

Graça disse…
Sabes, querido Daniel... ler-te sobre a minha Lisboa emocionou-me. Nasci nessa década de sessenta, no coração de Lisboa, e vivi toda a minha infância no Alto de Pina. O meu pai, nesses anos, era chefe de mesa na Mexicana...mais tarde, fui estudar para o Liceu Gil Vicente, na Graça, bairro que amo. Adorava subir à Senhora do Monte e ver toda a Lisboa a beijar o Tejo. Eram tempos tão bons, esses em que ia ao Parque Mayer com os meus avós, à matiné... quando tinha 8 anos, o meu Pai comprou um Restaurante na Rua de Santa Marta, onde esteve quase trinta anos. E podia dizer-te tanto, dessa minha adorada terra. Há uns anos, optei por vir morar em Alverca, onde trabalho, mas mantenho casa em Lisboa, nas Olaias, para onde fujo, sempre que posso :).

Meu querido Daniel, nem imaginas o quanto adorei ler estas tuas recordações, que se cruzaram no espaço das minhas. Obrigada e um beijo imenso de carinho.
poetaeusou . . . disse…
*
ai a década de sessenta,
,
vou tentar ordenar
o meu roteiro,
,
Calçada dos Cavaleiros,
(martin moniz)
Rua do Alecrim
Avenida de Berna
Conde Valbom
Visconde Valmor
Rua da Beneficência
Rua Filipe Folque
Travessa Henrique Cardoso
(Avenida de Roma)
,
omitindo pormenores, sempre
digo que não conseguia estar
mais de seis meses em quartos independentes . . .
,
um abraço, Daniel
,
*
Daniel, adorei o teu texto, li-o com a alma! Simplesmente maravilhoso saber desta Lisboa que amo e que era um lugar de encanto! Vi-a atraves do teu olhar a experiencia soberba e sublime de uma epoca que te trouxe tantas alegrias e conhecimentos!
Um beijo doce
Nena disse…
Lisboa é sempre airosa, cheia de encanto e beleza e vc recorreu bem as suas lembranças.
Estou amando seu blog, parabéns.

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